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AMÂNDIO CÉSAR
Amândio César Margarido Pires Monteiro, nasceu a 12Jul1921, em Arcos de Valdevez, Portugal.
Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, foi um dos elementos do grupo "Poesia Nova" e fundador da revista "Quatro Ventos" (Braga, 1954-1957).
No dizer de Jorge de Sena, «se a sua poesia se integra, apesar de uma certa versatilidade, num lirismo tradicional e tradicionalista, os seus contos aproximam-no do neo-realismo literário na forma de tratar a terra duriense».
Como ensaísta e crítico literário, dedicou parte da sua actividade à divulgação das literaturas brasileira e africana de expressão portuguesa, nomeadamente a angolana.
Faleceu a 21 Ago 1987, na sua residência em Lisboa.
REVISTA DE POESIA E CRÍTICA - Ano V - No. 7. Brasília, 1981. Diretor Responsável: José Jézer de Oliveira
Ex.. bibl. Antonio Miranda
CHANAAN
Neste fim de tarde estival
com céu, sol e nuvens misturadas
meus olhos são um planalto latente,
diante das suaves colinas de Israel.
Óh Terra Prometida e ansiada nos arcanos da memória
quando eu lia a vida heróica dos varões
que, em mão segura, conduziam o povo eleito!
Óh mulheres fortes,
úteros abertos para um parto que se processa
em todos os tempos e em todas as idades!
Óh funda de David erguida e desfechada
contra todos os gigantescos Golias
que barram os caminhos
e ameaçam a insegura segurança
das doze tribos, antes e depois,
de todas as Diásporas!
Meu olhos são um planalto latente
onde flue o tempo e flue a vida,
passada e a haver. As nuvens correm a Ocidente
levando minhas palavras, meus sentimentos,
meus anseios e minhas lágrimas de alegria.
Aqui cheguei: à Terra Prometida.
Chanaan me espera com seus olorosos pomos,
com seus frutos sazonados por este sol diferente,
com seus pastores tangendo tractores que abrem fundo
os sulcos em que as sementes vão ser lançadas.
Chanaan me espera com suas águas lustrais,
caminhando invisíveis para que o Naguev
deixe de ser terra calcinada,
até à derradeira erva seca, roída pelas cabras
e regresse a ser um tapete verde, esperançoso
de todos os trigais ondulantes,
de todos os laranjais que perfumem o ar,
de todos os vinhedos olorosos de mosto,
antes de o serem,
com seus pomos ricos de sabor merecido!
Chanaan me espera, dentro dos olhos,
planalto latejante.
Nas amêndoas e nozes da nova colheita,
nos figos e tâmaras em oferenda
— eu bendirei ao Senhor
por ma ter revelado,
antes que meus olhos se fechem para sempre,
antes que meu coração deixe de bater!
Beijo esta terra, neste fim de sábado,
quando todos se acham recolhidos. Até as luzes.
Minha oração, minha prece, é muda:
acção de graças, nas imagens que guardo nos meus olhos,
enquanto a noite vai chegando
junto ao mar cujo marulhar das ondas escuto,
junto à terra onde chega o perfume salino das águas,
junto ao rio que nele se engolfa a levar saudades
de Tel-Aviv a todos os povos do Mundo!
Tel-Aviv, Agosto 75
SÃO ESTAS
São estas as águas da pesca milagrosa
e estes os mares que viajou Jonas;
São estes os pomares que lembram Chanaan
mas que os homens de hoje ergueram aos céus;
São estes os caminhos da antiga pastorícia
e esta a estrada que conduziu à victória;
São estes os céus que viram o milagre
da Lei que foi entregue numa sarça ardente;
São estas as ruas onde dançou David
e este é o Povo dos juizos de Salomão;
São estas as muralhas que Herodes construiu
contra as quais choramos lágrimas de esperança;
São estas as pedras que a trombeta ruiu
ao halali de guerra soado em Jericó;
São estas as águas do rio Jordão
misteriosas águas a caminho do mundo;
São estas as aves que aqui fazem ninho
felizes do tempo que lhes deu a Terra;
São estes os Povos que aqui regressaram
perdidos no tempo, há milénios perdidos;
São estas as ruas, são estas as estradas
por onde entraram e por onde saíram os que invadiram;
São estas as searas, são estes os trigos
que, de novo, livres brotam já da terra;
São estes os laranjais, estes os pomares
que, de novo, verdes nos dão confiança;
São estes os barcos que sulcam os mares
como já sulcaram em tempos que foram;
São estas as pedras que restam do Templo
solenes e trágicas, dramáticas, hirtas;
São estes os olhos que ficaram parados
lá longe na História que agora é Vida;
São estas as cinzas, são estes os ossos
dos que foram queimados por serem judeus;
São estes os marcos, estes os limites
que separam Chanaan da terra queimada;
São estas as colinas, são estes os bosques,
estas as pedras, e estas as lágrimas,
estes os caminhos, e estes os rios,
estas as estradas, e estas as minas,
estes os monumentos, e estas as esperanças
— Que esmaltaram de sonho,
os dias saudosos
quando meus olhos de anseio
e meu corpo cansado
repousaram sob os Teus céus
respiraram o perfume livre de Teu ar
— Oh, Terra Prometida,
Oh, Jerusalém!
SEREI, QUANDO QUISERES
Serei flor dos teus prados verdes,
orvalho de teu rocio matinal,
grão de areia de tuas orlas marinhas,
fruto sazonado de teus pomares;
Serei lágrima de teus ocultos sofrimentos,
angústia de teus momentos dolorosos,
grito ululante de tuas imensas raivas,
soluço de tuas mais íntimas recordações;
Serei estrela da manhã anunciando o dia,
plenilúnio nas longas noites de vigília,
serei água das chuvas para tua terra sequiosa,
serei raio de sol que amadureça os frutos dos pomares.
Serei bala dizimadora nos carregadores de tuas armas
gatilho de tuas espingardas,
espingarda de teus exércitos,
cremalheira de teus carros de combate;
Serei canção anunciando Chanaan,
poema de guerra para teus compositores,
nota de música que soe nos espaços, sinfonia que arrebate os corações;
Serei arame farpado que tolha os passos ao inimigo,
parapeito de aço que faça frente às balas,
mina agressiva para explodir os carros de combate,
obus que defenda e alargue as tuas fronteiras;
Serei mineiro de tuas minas de cobre,
voluntário de teus kibutzes,
pastor de teus rebanhos de ovelhas,
pescador de tuas traineiras;
Serei sentinela de tuas marcas,
soldado de teus exércitos,
comando de tuas expedições,
locutor de rádios piratas;
Serei calceteiro de tuas estradas,
coleccionador de tuas relíquias,
defensor de tuas pedras vivas,
paleógrafo de teus escritos milenários;
Serei picador de estradas minadas,
marinheiro de tuas vedetas de guerra,
miliciano de teus helicópteros,
paraquedista de tuas forças ofensivas;
E serei canção de paz, no fim da guerra,
poema heróico no fim da vitória,
partitura que celebre o teu direito à vida,
sinfonia queque Te cante para todo o sempre
— quando Tu quiseres,
quando Tu me chamares,
Oh Jerusalém!
Entre Tel-Aviv e Jerusalém.
*
Página publicada em abril de 2021
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